Noções sobre Gerações
de Direitos
Na
origem das declarações de direitos, no próprio processo das revoluções
liberais, na primeira geração de direitos, voltada para as relações sociais em
geral, o sujeito do direito é o indivíduo e o objeto, a liberdade. As
declarações do final do século 18, assim como as do século 20, contêm direitos
individuais quanto à titularidade, os quais, quanto ao objeto, são direitos de
liberdade, pelo que são propriamente chamados liberdades individuais. Porque
garantem todos os indivíduos em suas relações com e perante o Estado, também se
chamam liberdades públicas. Protegem o indivíduo contra o indivíduo, mas
sobretudo contra o Estado, já que a ideologia liberal revolucionária o
considerava o grande inimigo da liberdade individual. São direitos que buscam
libertar todos e cada um do absolutismo de um ou de alguns sobre todos. Na
origem, no plano político, como visto acima, cuidava-se de libertar o indivíduo
do absolutismo do monarca e seus agentes, aos quais se opõe a liberdade individual
irrestrita: o absolutismo da individualidade, que só pode ser restringida pela
lei, como expressão da vontade geral e em função do interesse comum. Daí, a
razão por que os direitos da primeira geração – embora nascidos como
liberdades-oposição ao Estado – não são oponíveis apenas ao Estado, mas,
mediante o Estado, a todo e qualquer poder que se torne arbitrário.
Já
no século 20, após a Primeira Guerra Mundial, surge uma segunda geração de
direitos, voltada para certas relações sociais em especial, nas quais a
desigualdade se acentua por um fator econômico ou físico ou de qualquer
natureza. Aí o indivíduo continua sujeito dos direitos humanos fundamentais.
Porém, não mais como individualidade abstrata e absoluta, mas como integrante
de uma categoria social em concreto. Os valores individuais são gerados e
mantidos nas relações sociais e, por isso, é nelas que devem receber uma
proteção ativa do Estado, onde seja necessário para prevenir ou remediar o
detrimento de uma categoria social por outra. Protege-se uma parte (mais fraca)
da sociedade na sua relação com outra parte (mais forte). Variados por seu teor
econômico, social ou cultural, tais direitos parciais sempre garantem uma
prestação do Estado – legislativa, administrativa, jurisdicional – a certas
categorias de indivíduos, a fim de promover a igualdade social. São direitos
categoriais pela titularidade. Pelo objeto, são direitos de igualdade. No
conteúdo, são direitos econômicos, sociais e culturais. Mas, como que
ressaltando o seu escopo de cumprir uma função social para equalizar a
sociedade, são ditos simplesmente direitos sociais. Garantem categoria social
contra categoria social, com o intuito de – indo além do formalismo jurídico –
igualar os desiguais na medida em que na realidade eles se desigualam, e para
esse fim social convocam o Estado a intervir na ordem econômica e social. Daí,
por que na segunda geração surgem direitos que, em vez de oposição, fazem
chamamento ao Estado, para obter dele uma prestação legislativa, administrativa
ou judiciária, em favor das categorias sociais mais fracas. São
direitos-prestação. Opõem-se não para afastar, mas para buscar o Estado, diante
do qual geral créditos para as categorias sociais necessitadas. São
direitos-crédito em relação ao Estado. Na origem, visaram a superar a questão
social, assim chamada pela encíclica Rerum Novarum a convulsão social gerada no
século 19 pela exploração das massas operárias pelo capitalismo selvagem,
desencadeado pela revolução industrial e não refreado pelo Estado liberal. Por
isso, de início, esses direitos categoriais incidiram sobre a relação de
trabalho, a fim de proteger a categoria dos assalariados, a classe operária,
contra a espoliação patronal. Mas, depois, vieram outros direitos sociais,
favorecendo outras categorias sociais, como os inquilinos, as mulheres, os
menores, os idosos, os deficientes, os consumidores, os estudantes, etc.
Na
terceira geração de direitos – reagindo aos extermínios em massa da humanidade,
praticados na primeira metade do século 20, tanto por regimes totalitários
(stalinismo, nazismo), como por democráticos (bombardeio e destruição de
cidades indefesas, até por armas atômicas) – o direito volveu os olhos
novamente para as relações sociais em geral, mas agora não para garantir
indivíduo contra indivíduo, nem contra o Estado, mas para garantir a humanidade
contra a própria humanidade. No pós-guerra, com o desenvolvimento vertiginoso
da tecnologia de transportes, de comunicação e de informação, os direitos
humanos se internacionalizaram e a soberania estatal se relativizou mais ainda
pela criação de organismos políticos e sistemas normativos supranacionais, a
fim de gerar condições de progresso material para regenerar padrões morais de
respeito à dignidade da pessoa humana, desgastados pela miséria econômica e
social, extrema em muitas partes de um mundo em globalização. Nesse quadro
histórico, após a Segunda Guerra Mundial, surgem direitos de solidariedade,
conhecidos como direitos de terceira geração, vindos pioneiramente de
declarações internacionais ou supranacionais.
Pioneiro
dessas denominações foi Karel Vasak, na aula inaugural que proferiu em 1979 no
Instituto Internacional dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, sob o título Pour
les droits de l’homme de la troisième génération: les droits de solidarieté.
Tradução literal: Pelos direitos do homem da terceira geração: os direitos de
solidariedade. Na época, Vasak era Diretor da Divisão de Direitos do Homem e da
Paz da UNESCO. Dada a sua posição institucional, como também o "charme"
da subdivisão que fez dos direitos humanos em consonância com o lema da
Revolução Francesa, sua palestra teve enorme repercussão. Daí, alastrou-se o
modismo de dividir os direitos humanos em gerações de direitos. Originalmente,
pois, essa divisão em três gerações consoou com o tríplice brado de libertação
– liberdade, igualdade, fraternidade – que ressoou na ordem política, lançado
pelos revolucionários franceses, sob a nítida inspiração e influência do
liberalismo clássico, não-intervencionista na ordem econômica e social.
Após
a declaração dos direitos-liberdade (individuais) no século 19, seguida no
século 20 pela declaração dos direitos-igualdade (econômicos, sociais e
culturais) contidos na segunda geração, a intensificação do convívio humano e
os riscos de extermínio maciço da humanidade pela própria humanidade vieram a
desencadear, na esteira da Segunda Guerra Mundial, a partir do âmbito
internacional, o aparecimento de uma nova geração de direitos fundada no
humanismo integral em defesa da dignidade humana mediante a solidariedade
humana, os quais no fundo são direitos-fraternidade.
Ainda
que ressurgisse com redobrado vigor no pós-guerra, na metade do século 20, o
princípio da solidariedade já atuava como dever desde o século 19, ressaltando
a virtude cívica ou a razão humanitária, pela qual se obrigavam os
"afortunados" a cuidar dos "desafortunados", quando a estes
faltassem condições de saúde ou de subsistência. Aí encontram sua motivação
originária as casas de misericórdia e os lares de caridade que proliferaram no
Brasil na época do Estado liberal e, ainda hoje, prestam inestimáveis serviços
aos desamparados.
Na
realidade da evolução histórica, a fraternidade veio a revestir a qualidade de
dever jurídico geral, obrigando a todo o gênero humano, quando os direitos de
solidariedade irromperam no direito internacional, tendo suas primeiras
manifestações em cartas firmadas entre estados e em documentos da ONU e da
UNESCO. Essa origem próxima se explica em função do quadro político que lhes
deu origem. Foi um quadro de emergência e aguçamento dos problemas relativos à
ordem planetária. Especial relevância teve a conscientização de que o mundo
está partido em nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, bem como o
reconhecimento de que é necessário o respeito à qualidade de vida e, para esse
fim, é imprescindível a solidariedade entre os humanos. Daí, tratar-se de
direitos com eminente vocação comunitária, dos quais os principais são cinco, a
saber: o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o direito ao patrimônio comum
da humanidade, o direito à comunicação, o direito à autodeterminação dos povos
e o direito ao meio ambiente sadio ou ecologicamente equilibrado.
Como
surgiram esses direitos de solidariedade pioneiros? Antes de serem teorizados e
até antes de terem um nome, o que Vasak lhes deu, apareceram nas décadas
imediatas ao fim da Segunda Guerra Mundial em meio aos direitos internacionais
como direitos superestatais, resultantes no processo de globalização, que se
havia intensificado pela mundialização da guerra entre os povos, pelo
crescimento internacional da economia e da exploração dos países
subdesenvolvidos, pela repercussão internacional da devastação do patrimônio
comum e do meio ambiente da humanidade, pela instantaneização das comunicações
a longa distância, entre outros fatores.
Na
segunda metade do século 20, a integração do mundo estimulada pela comunicação
internacional propiciada pela tecnologia hodierna deu causa ao fenômeno
alardeado como globalização. A globalização tem sido não só um tema cativante,
mas um diadema brilhante, que todos fazem questão de ostentar nos cursos e
discursos, palestras e debates. Mesmo assim, modismo das décadas de 70 e 80, a
globalização passa agora, no final dos anos 90, por críticas. Inclusive quanto
à sua extensão.
Na
realidade, o "globo" continua dividido em "civilizações"
como antes e, entre estas, as divergências não se apequenaram, mas se
acirraram. Por exemplo, a islâmica – e esta é uma civilização em expansão! –
entranha valores basilares que discrepam frontalmente dos ocidentais. Não
reconhece liberdades que no Ocidente são intocáveis, como a liberdade de credo,
uma das quatro liberdades principais de que falou Roosevelt, nem igualdades de
que o Ocidente não abre mão, como entre o homem e a mulher, entre o crente e
não crente. Outro exemplo de discrepância radical é a civilização chinesa. Seu
contingente populacional – maior que o do Ocidente! – vive condições políticas
inaceitáveis pelos ocidentais. Enfim, a globalização não é tão
"global" como se alardeia, seja em sua extensão territorial, seja em
sua compreensão cultural.
O
que se tem chamado por esse termo – globalização – é a crescente uniformização
supranacional dos padrões e processos políticos e culturais das nações
ocidentais entre si mesmas, emanando daí uma inevitável projeção sobre as
demais civilizações por força da pujança econômica e aparato militar dos
ocidentais e dos meios de comunicação de que dispõem, capazes de atingir num
átimo o globo terrestre. Também, a dinâmica natural do mercado. Este, por esses
meios, hoje é transcontinental. Aos continentes da terra impõe padrões e
processos funcionais, financeiros e materiais, que exigem padronização. No
entanto, na prática histórica, a expansão da civilização pouco passa além da
notícia que a leva e a dinâmica do mercado vai pouco além do interesse que a
move. Ainda não se chega – e nada leva a crer que em breve se chegará – ao tão
falado e louvado, quão improvado e improvável, processo de globalização de todo
o globo terrestre.
Assim,
se não quiser se distanciar da realidade do globo terrestre, o direito político
não deve considerar a globalização senão nos termos restritamente
supranacionais em que ela se processa, evoluindo da comunicação mercadológica
para a união política, mas apenas entre algumas das nações ocidentais,
avançadamente na Europa, que tem sido a locomotiva cultural do comboio
ocidental, mesmo após perder para os norte-americanos o primado econômico e
financeiro.
Com
a comunicação mercadológica intercontinental, em cujo impulso teve papel
preponderante a propaganda comercial no rádio e na televisão internacionais,
ativou-se a globalização jurídica dos riscos, na qual se manifesta forçosamente
a solidariedade. Dessa solidariedade passiva para uma solidariedade global,
quer quanto aos sujeitos (solidariedade subjetiva), quer quanto aos objetos
(solidariedade objetiva), tende a responsabilidade a se tornar cada vez mais
objetiva quanto ao seu fundamento, deixando de lado a indagação da culpa
subjetiva na produção ou ameaça de lesões.
Essa
objetivação foi condição, embora não causa, da conjunção da solidariedade
comercial e privada com a cultural e política, ou seja, da globalização dos
negócios privados com os públicos em um todo em que aqueles e estes cada vez
mais se interpenetram e reciprocamente se influenciam. Essa conjunção abre
crescente espaço para si mesma, dando força e eficácia à atuação de entidades
que, de internacionais, se tornam supranacionais, no plano econômico (FMI, OMC,
etc.), mercadológico (Mercosul, Nafta, Alca, etc.), político (ONU, OEA, etc.),
cultural (UNESCO). O que culmina relativizando a soberania dos estados
nacionais por tratados de defesa de direitos humanos ou de constituição de
comunidades supranacionais.
Esses
tratados, quer para garantia de direitos humanos, quer para constituição de
comunidades de nações, constituem assim, ao lado dos tratados internacionais
clássicos e tradicionais, uma nova espécie de tratados – os tratados
supranacionais – nos quais não se preserva a plenitude do Estado nacional, mas
se lhe relativiza a soberania dentro de um inovador sistema político-jurídico
supranacional.
Nesse
quadro se desenvolve uma crescente solidariedade jurídica no âmbito de
jurisdição do Estado nacional,mas também dos organismos internacionais e
supranacionais, refletindo o crescimento da solidariedade ética interna e
externa às nações atuais, nas quais ainda está política e juridicamente
dividida a humanidade. E, na apuração final do processo de globalização, cabe
indagar: se a solidariedade comercial e privada foi a condição, qual foi a
causa dessa evolução para a solidariedade social, cultural, política e jurídica
supranacional?
Em
verdade, no fundo, o que está se desenvolvendo é a solidariedade humana, cuja
necessidade se tornou ingente e premente para preservar a humanidade contra
atos que a afetam globalmente em si mesma, em valores que lhe são imanentes e
essenciais. Atos esses que, ao longo do século 20, destacadamente nas duas
Guerras Mundiais, a própria humanidade se mostrou – tanto tecnicamente, quanto
moralmente – capaz de praticar. A comprovação mais chocante dessa capacidade de
autodestruição foram os holocaustos, os crimes bárbaros contra a humanidade,
cometidos tanto por regimes totalitários de esquerda e de direita, como o
stalinismo e o nazismo, quanto por regimes defensores da democracia, como nas
duas bombas atômicas lançadas sobre cidades indefesas, Hiroshima e Nagasaki.
Assim,
os valores humanos fundamentais, nos quais se expressam as condições fundantes
da vida humana, imprescindíveis à subsistência da humanidade, tais como a paz
mundial, o equilíbrio do meio ambiente, a autodeterminação dos povos, o
desenvolvimento econômico, social e cultural dos povos, o patrimônio comum da
humanidade e tantos outros, tornaram-se hoje muito mais necessitados de proteção,
do que em épocas anteriores, e por isso desencadearam uma geração atual de
direitos, visando a proteger a própria humanidade mediante a promoção da
solidariedade e da dignidade humanas.
O
nome "direitos de solidariedade" tem sido criticado. Primeiro, porque
solidariedade ou fraternidade humana existe também em outros direitos humanos.
Segundo, porque falar em "gerações" de direitos pode levar a
equívocos, como apartar os direitos uns dos outros, ou valorizar mais uma
geração do que outra, o que não se sustenta em face da indivisibilidade básica
dos direitos humanos. Aqui é preciso lembrar que o surgimento dos direitos de
solidariedade se insere em um processo histórico, acelerado nos últimos anos,
de unificação dos direitos humanos fundamentais e operacionais. Essa unificação
resulta do aumento quantitativo dos bens tutelados e dos sujeitos titulares, o
que leva a uma crescente mescla e articulação de direitos fundamentais e
operacionais enquadrados em diferentes gerações de direitos humanos. Por fim,
verifica-se que no direito internacional, onde os direitos de solidariedade
principiaram, a primeira geração é a dos direitos sociais, com a criação da OIT
(Organização Internacional do Trabalho) em 1919. No direito internacional, o
esquema de gerações seria diferente do aplicável ao direito nacional? Enfim,
que são e quantas são tais – assim ditas – gerações de direitos?
Na
realidade, os direitos humanos são um produto histórico-social íntegro.
Resultam da própria evolução da sociedade humana, marcada pelo progresso moral
expresso no aprimoramento constante e contínuo das regras de conduta, no
interior e no exterior das nações contemporâneas. Nesse contínuo histórico, os
novos direitos vão surgindo em meio aos anteriores e, na realidade em que
progridem, constituem evolução uns dos outros ou de uns para os outros, ao
longo do crescente aumento da complexidade social, o que torna difícil
distingui-los e dispô-los em gerações sucessivas. Essa dificuldade causou –
após a teorização pioneira de Karel Vasak – divergências teóricas entre aqueles
que – afoitos em dar a sua contribuição – desdobraram quatro ou cinco gerações.
Com isso, ao mesmo tempo que cresceu o número de direitos, também se
multiplicaram os nomes para designar os mesmos direitos, gerando a confusão e a
incerteza que têm prejudicado a proteção dos direitos. Cabe, por isso, lembrar
a posição de Norberto Bobbio, para quem teorizar e justificar os direitos
humanos é até fácil, mas o difícil é protegê-los e garanti-los com efetividade.
O que concluir?
Na
verdade, as gerações de direitos constituem um esquema didático de captação e
explicação dos direitos humanos na sua evolução histórica, em cujo transcurso
eles se ampliam gradativa e continuamente quanto aos sujeitos protegidos
(ampliação subjetiva dos direitos humanos) e quanto aos objetos protegidos
(ampliação objetiva dos direitos humanos). Trata-se, portanto, de uma
classificação "genealógica" de valor relativo, que deriva da montagem
de um paralelismo com o lema da Revolução Francesa: liberté, egualité,
fraternité. Por isso, a aceitação dessa esquematização dos direitos humanos em
gerações não deve ir além da sua inata finalidade didática, começando por
mostrar que – em virtude de sua origem esquemática e do paralelismo tríplice
inerente ao esquema originado – não há mais do que três gerações. Não há outras
gerações a descobrir. Sob pena de ir a esquematização muito além da sua razão
de ser: o seu paralelismo original, sem o qual ela se põe a perder.
Por
essas razões todas, ante a impropriedade do nome "gerações", se
tomado só como retrato da evolução histórica, outras denominações têm sido
cogitadas. Por exemplo, Paulo Bonavides prefere "dimensões" a
"gerações". De minha parte, reforçando o critério didático dessa classificação
em gerações, busco apoiar a tipificação dos direitos humanos – o perfil – não
só na história, mas também na lógica. Para tanto, valho-me da verificação de
que todo direito implica um conceito e de que todo conceito tem compreensão (as
notas que ele compreende e que o definem) e extensão (os seres aos quais ele se
estende e aplica porque lhes convêm tais notas definidoras). Com arrimo nessa
verificação, cuido da compreensão e extensão conceituais dos direitos humanos
e, assim cuidando, os distribuo em três classes com três perfis. A saber.
A
primeira, correspondente à primeira geração, é a dos direitos individuais,
típicos da legislação liberal, que surgiu na alvorada do século 19. Eles se
estendem a todos os sujeitos compreendidos como indivíduo humano, os quais,
simplesmente por sua individual condição humana, singularmente, merecem a
proteção do direito, sem levar em consideração outras condições, quer pessoais,
quer sociais, ou quaisquer outras.
A
segunda classe ou geração não se estende a todos os indivíduos, mas somente aos
integrantes de uma parte da sociedade: compreendidos como determinada categoria
social que, por ser considerada mais fraca na sua relação social específica, ou
seja, em relação à outra parte com que se relaciona especificamente, merece
especial proteção do direito, como, por exemplo, a categoria dos empregados,
dos inquilinos, dos idosos, dos menores, dos deficientes, das mulheres, dos
consumidores, dos estudantes, etc. Estão aqui os direitos sociais – típicos da
legislação social, que surgiu na alvorada do século XX. São "sociais"
não por serem direitos de toda a sociedade, mas sim de uma categoria social em
face de outra, entre as quais promovem a igualdade social. São direitos
categoriais.
A
terceira classe ou geração de direitos, típica da legislação comunitária, que
surgiu a partir dos meados do século XX, estende-se a todos os indivíduos, mas
não os compreendendo em sua individualidade, porém em sua generalidade: como
gênero humano. São direitos essencialmente sociais, em toda a sua compreensão e
extensão: em toda a pureza e grandeza do conceito social. Defendem os valores
humanos mais básicos, fundamentais e genéricos da sociedade humana. Na verdade
se estendem difusamente a toda a sociedade humana, considerada indistintamente
em sua generalidade. Daí, a razão por que lhes convém é o nome de direitos
difusos.
Em
conclusão, formulem-se os perfis básicos das três gerações de direitos humanos:
PERFIL DA PRIMEIRA
GERAÇÃO:
Titularidade:
o ser humano como indivíduo (singularidade).
Objeto:
a defesa da liberdade individual.
PERFIL DA SEGUNDA
GERAÇÃO:
Titularidade:
o ser humano em uma categoria ou parte social (parcialidade).
Objeto:
a promoção da igualdade social.
PERFIL DA TERCEIRA
GERAÇÃO:
Titularidade:
o ser humano como gênero humano (generalidade).
Objeto:
a defesa da humanidade e a promoção da solidariedade humana.
RESUMO DOS PERFIS:
Na
sua evolução histórica, os direitos humanos vieram se ampliando subjetiva e
objetivamente, de modo contínuo e constante, para defender a dignidade humana,
que não é senão a versão axiológica da natureza humana.
Esse
princípio de igualdade social, típico da segunda geração de direitos, opõe-se
ao princípio de igualdade formal, típico da primeira geração. Busca a justiça
social, que há de ser realizada materialmente, indo além do formalismo
jurídico. Foi magnificamente exposto na Oração aos moços, discurso de Rui
Barbosa (lido pelo Professor Reinaldo Porchat, pois Rui estava doente) como
paraninfo dos formandos de 1920 na Faculdade de Direito de São Paulo, no Largo
de São Francisco. Ao anterior princípio da igualdade meramente jurídica e
formal (típico do Estado Liberal de Direito), que asseverava que todos são
iguais perante a lei e a lei é igual para todos, independentemente de suas
condições sociais, o superveniente princípio da igualdade material e social
(típico do Estado Social de Direito) respondeu, com as palavras de Rui: A regra
da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na
medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à
desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são
desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a
iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não
igualdade real. (Cf. BARBOSA, Rui. Oração aos moços. 18 ed. Prefácio de Edgar
Batista Pereira. Texto estabelecido e notas por Adriano da Gama Kury. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2001. p. 55.)