11 agosto 2015

DPP II - Busca e apreensão

DPP II - Delação premiada

Administrativo II - Responsabilidade civil do Estado - Parte 1


RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – PARTE I

 

A RESPONSABILIDADE, EM TERMOS GERAIS, DECORRE DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR DANOS PROVOCADO POR ALGUEM AO PATRIMÔNIO DE OUTREM, MEDIANTE UMA COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA.

 

NO CASO DO ESTADO, A RESPONSABILIDADE RECAI SOBRE A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO INTERNO E NÃO SOBRE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

 

PORQUE?

 

LEMBRAR QUE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA É UM CONJUNTO DE ÓRGÃOS DESPERSONALIZADOS E, PORTANTO NÃO PODE SER SUJEITO DE DIREITOS.

A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA SERÁ COGITADA QUANDO O AGENTE PÚBLICO FOR PUNIDO POR COMETIMENTO DE INFRAÇÃO FUNCIONAL OU DISCIPLINAR, PREVISTAS EM ESTATUTO, INDEPENDENTE DE O FATO TER GERADO DANOS A TERCEIROS.

 

 

 

 

 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO OU RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL

 

MUITOS DOUTRINADORES TEM CONDENADO AQUELA EXPRESSÃO APLICADA AO ESTADO PORQUE A RESPONSABILIDADE CIVIL CONCENTRA-SE NA TEORIA CIVIL DA CULPA, SENDO A RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO MAIS AMPLA ADMITINDO A RESPONSABILIZAÇÃO SEM CULPA (OBJETIVA COM FUNDAMENTO NO RISCO)

 

O CONCEITO CIVILISTA DA CULPA NÃO CABE AO PODER PÚBLICO, POIS ESTE DEVE RESPONDER COM BASE NA IGUALDADE DE ÔNUS E DE ENCARGOS SOCIAIS

 

SERÁ SEMPRE EXTRACONTRATUAL OU AQUILIANA, OU SEJA DECORRE DE AÇÃO, OMISSÃO DO ESTADO, LÍCITA OU ILÍCITA QUE CAUSE DANO A ALGUEM

 

NA COMPOSIÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO ENCONTRA-SE A NOÇÃO DE QUE ESTE DEVE NÃO APENAS REPARAR O DANO PROVOCADO POR ATO ILÍCITO PRATICADO POR SEUS AGENTES  COMO TAMBÉM

 

POR ATOS LÍCITOS, MAS QUE, MESMO ASSIM CAUSAM DANOS A ALGUEM

 

NO CASO DE ATOS ILÍCITOS – O AGENTE PÚBLICO SERÁ OBRIGADO A RECOMPOR O PATRIMÔNIO PÚBLICO POR MEIO DE AÇÃO REGRESSIVA

NO CASO DE DANO POR ATO LÍCITO – A REPARAÇÃO PELO AGENTE NÃO OCORRERÁ...RESPONDENDO APENAS O ESTADO SE A AÇÃO QUE BENEFICIA TODA A COLETIVIDADE PREJUDICOU ALGUEM ISOLADAMENTE

 

 

EXEMPLOS PRÁTICOS DESSA DISTINÇÃO

 

- COLISÃO DE VEÍCULO PÚBLICO E DIRIGIDO POR AGENTE PÚBLICO - CARRO EM ALTA VELOCIDADE – CAUSA ACIDENTE EM VEÍCULO PARTICULAR – CORREÇÃO DO INJUSTO (ATO ILÍCITO DO AGENTE)

 

- ALINHAMENTO DE VIA PÚBLICA QUE PREJUDICA IMÓVEL PARTICULAR RESULTANDO EM DESVALORIZAÇÃO DO MESMO

 

ENTÃO: DANOS POR ATO ILÍCITO = RECOMPOSIÇÃO POR ILEGALIDADE

DANOS POR ATOS LÍCITOS = RECOMPOSIÇÃO EM RAZÃO DO JUSTO DISTRIBUTIVO

 

 

PEQUENO HISTÓRICO

 

- IRRESPONSABILIDADE

PERÍODO DAS MONARQUIAS  O REI SABE O QUE É BOM PARA O POVO DAÍ A RAZÃO DO “LE ROI NE PEUT MAL FAIRE”

 

(EVOLUÇÃO QUE PASSOU PELO ESTADO GENDARME QUE SE PREOCUPAVA COM A SEGURANÇA, DIREITOS  E GARANTIAS INDIVIDUAIS, CUMPRIMENTO DOS CONTRATOS E RESPEITO À PROPRIEDADE)

 

- TEORIA CIVILISTA DA CULPA

 SUBSTITUIÇÃO DO “LEX FACIT LEGEM” (O ARBÍTRIO DO MONARCA DETERMINA O CONTEÚDO DA LEI) POR “LEX FACIT LEGEM” (A LEI DETERMINA OS LIMITES DA ATUAÇÃO DO ADMINISTRADOR)

ESSA TEORIA INSPIROU O ART. 15 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ATUAL ART. 43)

 

 

- TEORIA DA RESPONSABILIDADE PUBLICISTA: CULPA ADMINISTRATIVA OU CULPA DO SERVIÇO (FAIT OU FAUTE DU SERVICE)

 

MUITO FORTE NA FRANÇA ONDE O REGIME É DUAL, ISTO É, HÁ UM CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO EXCLUSIVO ONDE O ÓRGÃO DE CÚPULA É O CONSELHO DE ESTADO (CONTRAPOSIÇÃO A CORTE DE CASSAÇÃO QUE É DA JURISDIÇÃO COMUM.

 

POR TAL TEORIA HÁ RESPONSABILIDADE DO ESTADO SE:

A) O SERVIÇO NÃO FUNCIONOU

B) O SERVIÇO FUNCIONOU MAL

C) O SERVIÇO FUNCIONOU ATRASADO

 

NOTE-SE QUE HÁ AQUI AFASTAMENTO DA FIGURA DO AGENTE, INTERESSANDO TÃO-SOMENTE A EXISTÊNCIA DE FALHA DO SERVIÇO

ENTRETANTO, PERMANECE A NECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DA PROVA DA CULPA, ISTO É, É NECESSÁRIO VERIFICAR SE O ESTADO AGIU COM PERÍCIA, PRUDÊNCIA E CUIDADO DEVIDOS

 

 

 

- TEORIA DO RISCO OU RESPONSABILIDADE OBJETIVA

 

É ASSIM DENOMINADA PORQUE SENDO A ATIVIDADE ESTATAL UMA AÇÃO QUE ENVOLVE RISCO COMO, ALÍAS SÃO TODAS AS ATIVIDADES, E SOBRETUDO PORQUE TODOS OS ADMINISTRADOS CONTRIBUEM PARA A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO COLETIVO OU GERAL AQUELE QUE SOFRER DE FORMA ISOLADA UM DANO POR AÇÃO DO ESTADO DEVE SER REPARADO

 

DAÍ O ABANDONO DA IDÉIA DA FORMAÇÃO DA CULPA, A RESPONSABILIDADE PASSA A SER APURADA SEM CULPA OU A RESPONSABILIDADE OBJETIVA

 

SÃO PRESSUPOSTOS:

- FATO OU ATO DECORRENTE DA ATIVIDADE ESTATAL (LÍCITA OU ILÍCITA)

- DANO OU PREJUÍZO VERIFICADO

- NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE AÇÃO ESTATAL E O DANO

 

ADMITE, TODAVIA, EXCLUDENTES: FORÇA MAIOR, CASO FORTUITO, CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA E CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIROS

RISCO INTEGRAL: NÃO ADMITE EXCLUDENTES

NO BRASIL

 

- COMO NA EUROPA, O MONARCA NÃO PODIA SER RESPONSABILIZADO. TAL DISTINÇÃO CONSTOU DA CONSTITUIÇÃO OUTORGADA DE 1824, DEIXANDO A RESPONSABILIDADE APENAS PARA OS AGENTES PÚBLICOS POR ABUSOS E OMISSÕES PRATICADAS NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES.

 

- DESSE MODO PREVALECEU ATÉ 1946 A TEORIA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR DANOS PROVOCADOS POR FUNCIONÁRIOS QUE SE OMITISSEM NO EXERCÍCIO NORMAL DE SUAS FUNÇÕES, ISTO É, POR CULPA DO AGENTE. NESTES CASOS, A RESPONSABILIDADE ERA SUBJETIVA SOLIDÁRIA (ESTADO E AGENTES).

 

- EM 1946 ADOTOU-SE A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – ART. 194 DA CF 1946. OS AGENTES RESPONDEM POR CULPA E DE FORMA REGRESSIVA

 

ATUALMENTE CONSTA DO TEXTO CONSTITUCIONAL:

“ART. 37, § 6º - AS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E AS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS RESPONDERÃO PELOS DANOS QUE SEUS AGENTES, NESSA QUALIDADE, CAUSAREM A TERCEIROS, ASSEGURADO O DIREITO DE REGRESSO CONTRA O RESPONSÁVEL NOS CASOS DE DOLO OU CULPA”

 

Note-se que a atual redação do art. 43 do CC de 2002 não repete a mesma norma, não mencionando as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público

 

“Art. 43 – As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que, nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores de dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”

 

NO BRASIL, A TEORIA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO É BASEADA NA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO QUE É OBJETIVA, MAS ADMITE EXCLUDENTES.

A TEORIA DO RISCO INTEGRAL NÃO É ADOTADA.

 

 

COMPREENSÃO DO ART. 37, §6º DA CF/88

 

- QUEM RESPONDE OBJETIVAMENTE?

AS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO E AS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO, INCLUSIVE ESTATAIS.

QUESTÃO POLÊMICA: SE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO É REALIZADA POR ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR (OS E OSCIP), HÁ RESPONSABILIDADE OBJETIVA? Grande parte da doutrina entende que a responsabilidade é subjetiva.

 

E as concessionárias de rodovias? Há decisões do STJ entendendo que sim, mas baseadas no CDC.

Os tabeliães? Sim, objetiva para o STF, sob o argumento de que há cargos criados por lei, sob supervisão do Estado praticando atos dotados de fé pública (poder delegado do Estado).

 

- O DANO

 

DANO DEVE SER EFETIVO, ISTO É, JÁ OCORRIDO.

CABE DANO MORAL? EM PRINCÍPIO, SIM.

LIMITES: VÍTIMA NÃO DEVE RETIRAR VANTAGENS ECONÔMICAS DESPROPORCIONAIS EM VISTA DO PREJUÍZO SOFRIDO; A QUANTIA FIXADA NÃO PODE SER INSIGNIFICANTE EM FACE DA SITUAÇÃO ECONÕMICA DO CAUSADOR DO DANO

 

ENTÃO O DANO DEVE APRESENTAR-SE:

 

certo – possível, real, efetivo, aferível, presente, excluído o dano eventual

especial – individualizado, referido à vítima e não geral

anormal – excede dos serviços e encargos resultantes da vida em grupo

referente a uma situação protegida pelo Direito – atividade lícita

valor economicamente apreciável – possível de valorização

 

 

- NEXO DE CAUSALIDADE

 

RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO. RELAÇÃO CLARA ENTRE O DANO CAUSADO E A AÇÃO OU OMISSÃO DO AGENTE

NO SEGUINTE EXEMPLO NÃO HÁ NEXO CAUSAL:

VIATURA TRAFEGANDO PRUDENCIALMENTE POR BAIXO DE VIADUTO E PESSOA SE JOGA CAINDO NA VIA E É ATROPELADA

 

POR OUTRO:

FUGITIVOS DO SISTEMA PENITENCIÁRIO QUE COMETEM LATROCÍNIO MESES DEPOIS DA FUGA – NÃO HÁ COMO ACEITAR CAUSALIDADE EM VISTA DO LAPSO DE TEMPO

 

FUGITIVO PELA 8º VEZ COMETE ESTUPRO EM LOCAL DISTANTE DA PRISÃO – RECONHECIDA A FALHA NO SERVIÇO

 

- TERCEIROS

 

SE É ISSO, AS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO SOMENTE SERIAM RESPONSABILIZADAS POR USUÁRIOS DOS SERVIÇOS QUE PRESTAM OU EM FACE DE TERCEIROS NÃO USUÁRIOS TAMBÉM?

 

SEGUNDO A DOUTRINA DE IRENE NOHARA, O STF MUDOU RECENTEMENTE DE POSIÇÃO, ISTO É, PASSOU A ENTENDER QUE A CF NÃO DISTINGUE O TERCEIRO. CASO DE EMPRESA DE TRANSPORTE URBANO E MORTE DE CICLISTA (RE 591874/MS – REL. MIN. LEWANDOWSKI, 2009)

 

- AGENTES

CONFORME TEORIA DA IMPUTAÇÃO, O ESTADO SE RELACIONA COM AS PESSOAS POR MEIO DE SEUS AGENTES

 

ESSES AGENTES SÃO TODOS AQUELES QUE AGEM EM NOME E PELO ESTADO, SÃO OS AGENTES POLÍTICOS, PÚBLICOS, MILITARES E PARTICULARES EM COLABORAÇÃO

 

- DEVEM ATUAR NESSA CONDIÇÃO

 

O AGENTE DEVE ESTAR NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES OU BASTA SER AGENTE PÚBLICO?

HÁ OPINIÕES DIVERGENTES. O AGENTE DEVE AGIR NA QUALIDADE DE AGENTE DO ESTADO, MESMO QUE DISTANTE DE SUAS PRECÍPUAS FUNÇÕES – ENTENDIMENTO ATUAL.

 

CASO DO DELEGADO DE POLÍCIA QUE EM AGENCIA BANCÁRIA FUROU A FILA E DEU ORDEM DE PRISÃO POR DESACATO A PESSOA QUE PROTESTOU

ISTO É ASSIM PORQUE O DESVIO DE FINALIDADE OU O ABUSO DE PODER TAMBÉM É SANCIONADO E OPERA EM DESFAVOR DO ESTADO

 

- AÇÃO DE REGRESSO

É DEVER-PODER DO ESTADO EM DEFESA DA RES PÚBLICA

 

AGENTE RESPONDE POR RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ASSIM É NECESSÁRIO:

. PRESENÇA DE CULPA OU DOLO DO AGENTE

. TRANSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE CONDENAÇÃO DO ESTADO

 

A AÇÃO É IMPRESCRITÍVEL E ALCANÇA HERDEIROS E SUCESSORES ATÉ O LIMITE DO VALOR DA HERANÇA

Difusos e Coletivos - Proteção à saúde e segurança do consumidor


PLANO DE AULA

Agosto.2015

Profª Erika Bechara

 

 

PROTEÇÃO À SAÚDE E SEGURANÇA DO CONSUMIDOR

RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS ACIDENTES DE CONSUMO

 

 

1. Proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor

 

Art. 6º, inc. I do CDC: “São direitos básicos do consumidor: a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”

 

2. Periculosidade INERENTE, periculosidade ADQUIRIDA e periculosidade PRESUMIDA

 

2.1. Periculosidade inerente

 

Art. 8º do CDC: “Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados NORMAIS e PREVISÍVEIS em decorrência de sua natureza ou fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar informações necessárias e adequadas a seu respeito”

 

Art. 9º do CDC: “O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto"

 

- a periculosidade não pode ser eliminada do produto ou serviço

 

Antonio Herman Benjamim: “O LEGISLADOR DISSE, EM OUTRAS PALAVRAS, O SEGUINTE: OS PRODUTOS E SERVIÇOS COLOCADOS NO MERCADO DEVEM SER SEGUROS, NÃO SENDO, PORÉM, CONSIDERADOS INSEGUROS AQUELES QUE APRESENTEM PERICULOSIDADE INERENTE, DESDE QUE O CONSUMIDOR SEJA SOBRE TAL INFORMADO ADEQUADAMENTE” (Ob.cit., p. 29).

 

- acidentes causados por produtos ou serviços que apresentam periculosidade inerente, via de regra não são indenizáveis

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. TABAGISMO. AÇÃO REPARATÓRIA AJUIZADA POR FAMILIARES DE FUMANTE FALECIDO. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. PRODUTO DE PERICULOSIDADE INERENTE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DEVER JURÍDICO RELATIVO À INFORMAÇÃO. NEXO CAUSAL INDEMONSTRADO. TEORIA DO DANO

DIREITO E IMEDIATO (INTERRUPÇÃO DO NEXO CAUSAL). IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL.

1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando o acórdão, de forma explícita, rechaça todas as teses do recorrente, apenas chegando a conclusão desfavorável a este. Também inexiste negativa de prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem aprecia a questão de forma fundamentada, enfrentando todas as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas.

2. A pretensão de ressarcimento do próprio fumante (cuja prescrição é quinquenal, REsp. 489.895/SP), que desenvolvera moléstias imputadas ao fumo, manifesta-se em momento diverso da pretensão dos herdeiros, em razão dos alegados danos morais experimentados com a morte do fumante. Só a partir do óbito nasce para estes ação exercitável (actio nata), com o escopo de compensar o pretenso dano próprio. Preliminar de prescrição rejeitada.

3. O cigarro é um produto de periculosidade inerente e não um produto defeituoso, nos termos do que preceitua o Código de Defesa do Consumidor, pois o defeito a que alude o Diploma consubstancia-se em falha que se desvia da normalidade, capaz de gerar uma frustração no consumidor ao não experimentar a segurança que ordinariamente se espera do produto ou serviço.

4. Não é possível simplesmente aplicar princípios e valores hoje consagrados pelo ordenamento jurídico a fatos supostamente ilícitos imputados à indústria tabagista, ocorridos em décadas pretéritas – a partir da década de cinquenta -, alcançando notadamente períodos anteriores ao Código de Defesa do Consumidor e a legislações restritivas do tabagismo.

5. Antes da Constituição Federal de 1988 - raiz normativa das limitações impostas às propagandas do tabaco -, sobretudo antes da vasta legislação restritiva do consumo e publicidade de cigarros, aí incluindo-se notadamente o Código de Defesa do Consumidor e a Lei n.º 9.294/96, não havia dever jurídico de informação que impusesse às indústrias do fumo uma conduta diversa daquela por elas praticada em décadas passadas.

6. Em realidade, afirmar que o homem não age segundo o seu livre-arbítrio em razão de suposta "contaminação propagandista" arquitetada pelas indústrias do fumo, é afirmar que nenhuma opção feita pelo homem é genuinamente livre, porquanto toda escolha da pessoa, desde a compra de um veículo a um eletrodoméstico, sofre os influxos do meio social e do marketing. É desarrazoado afirmar-se que nessas hipóteses a vontade não é livre.

7. A boa-fé não possui um conteúdo per se, a ela inerente, mas contextual, com significativa carga histórico-social. Com efeito, em mira os fatores legais, históricos e culturais vigentes nas décadas de cinquenta a oitenta, não há como se agitar o princípio da boa-fé de maneira fluida, sem conteúdo substancial e de forma contrária aos usos e aos costumes, os quais preexistiam de séculos, para se chegar à conclusão de que era exigível das indústrias do fumo um dever jurídico de informação aos fumantes. Não havia, de fato, nenhuma norma, quer advinda de lei, quer dos princípios gerais de direito, quer dos costumes, que lhes impusesse tal comportamento.

8. Além do mais, somente rende ensejo à responsabilidade civil o nexo causal demonstrado segundo os parâmetros jurídicos adotados pelo ordenamento. Nesse passo, vigora do direito civil brasileiro (art. 403 do CC/02 e art. 1.060 do CC/16), sob a vertente da necessariedade, a teoria do dano direto e imediato, também conhecida como teoria do nexo causal direto e imediato ou teoria da interrupção do nexo causal.

9. Reconhecendo-se a possibilidade de vários fatores contribuírem para o resultado, elege-se apenas aquele que se filia ao dano mediante uma relação de necessariedade, vale dizer, dentre os vários antecedentes causais, apenas aquele elevado à categoria de causa necessária do dano dará ensejo ao dever de indenizar.

10. A arte médica está limitada a afirmar a existência de fator de risco entre o fumo e o câncer, tal como outros fatores, como a alimentação, álcool, carga genética e o modo de vida. Assim, somente se fosse possível, no caso concreto, determinar quão relevante foi o cigarro para o infortúnio (morte), ou seja, qual a proporção causal existente entre o tabagismo e o falecimento, poder-se-ia cogitar de se estabelecer um nexo causal juridicamente satisfatório.

11. As estatísticas - muito embora de reconhecida robustez – não podem dar lastro à responsabilidade civil em casos concretos de mortes associadas ao tabagismo, sem que se investigue, episodicamente, o preenchimento dos requisitos legais.

12. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido. (STJ,  Resp 1113804/RS, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 27/04/2010)

 

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. FUMANTE. EXERCÍCIO DO LIVRE-ARBÍTRIO. RUPTURA DO NEXO DE CAUSALIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 NÃO CONFIGURADA.

1. Tendo o Tribunal a quo apreciado, com a devida clareza, toda a matéria relevante para a apreciação e julgamento do recurso, não há falar em violação ao art. 535 I e II do Código de Processo Civil.

2. É incontroverso nos autos que o Autor começou a fumar nos idos de 1.988, mesmo ano em que as advertências contra os malefícios provocados pelo fumo passaram a ser veiculadas nos maços de cigarro.

3. Tal fato, por si só, afasta as alegações do Recorrido acerca do desconhecimento dos malefícios causados pelo hábito de fumar, pois, mesmo assim, com as advertências, explicitamente estampadas nos maços, Miguel Eduardo optou por adquirir, espontaneamente, o hábito de fumar, valendo-se de seu livre-arbítrio.

4. Por outro lado, o laudo pericial é explícito ao afirmar que não pode comprovar a relação entre o tabagismo do Autor e o surgimento da Tromboangeíte Obliterante.

5. Assim sendo, rompido o nexo de causalidade da obrigação de indenizar, não há falar-se em direito à percepção de indenização por danos morais.

6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (STJ, Resp 886347/RS, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO, j. 25/05/2010)

 

2.2. Periculosidade adquirida

 

- São produtos ou serviços que se tornam perigosos em decorrência de um defeito que não lhes é inerente.

 

- Por se tratar de periculosidade adquirida, ela é imprevisível ao consumidor

 

(a) PRODUTO DEFEITUOSO

 

Art. 12, §1º do CDC: “O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em conta as circunstâncias relevantes, entre as quais: I) sua apresentação; II) o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III) a época em que foi colocado em circulação”

 

(b) SERVIÇO DEFEITUOSO

 

Art. 14, §1º do CDC: “O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I) o modo de seu fornecimento; II) o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III) a época em que foi fornecido”

 

2.2.1. O grau de segurança que um produto/serviço deve apresentar

 

- o produto ou serviço é defeituoso quando é mais perigoso para o consumidor do que razoavelmente podia esperar, indo além do normal e previsível.

 

Ap. Civ. 507.973-6 (1º TACiv/SP): “O autor adquiriu da ré (...) um aquecedor de ambiente, celebrando com ela contrato de manutenção. O aparelho apresentou defeito que teria sido reparado por técnico da ré em 15 de julho do mesmo ano. No dia 20 de julho seguinte, lavrou-se incêndio na residência do autor, o qual, segundo ele, teria se originado do aquecedor. Perícia realizada pela polícia técnica apontou ‘como hipótese mais provável, e causa inicial do incêndio, o contato da chama e o gás extravasado do sistema de ligação da estufa a gás, visto que, por ser essa peça facilmente transportada para locais diferentes, poderia ocasionar, pelo seu manuseio, defeito no sistema de ligação’

...a ré, admitindo a causa indicada do sinistro, argumentou que o manuseio inadequado do aparelho provocou a eclosão do incêndio. O digno magistrado aceitou a tese da defesa, afirmando na r. sentença que o autor utilizou-se de forma irregular do aquecedor, permitindo que sua filha menor o manuseasse...

Não se aceita a conclusão do nobre julgador. A própria ré (...) admite que ‘verifica-se pela conclusão do laudo ter havido defeito no sistema de ligação, que teria sido decorrente do seu manuseio. A responsabilidade é do fabricante, na medida em que fabricou produto, suscetível de ser movido, de um lugar para outro, sem a segurança própria a essa finalidade, mesmo porque o acidente ocorreu, apenas, catorze dias depois da compra..

A única conclusão possível a que se chega é a de que a construção do sistema de ligação era inadequada.

(...)

O consumidor, que não tem a possibilidade de conhecer a técnica, a forma de fabricação, os materiais empregados, os problemas decorrentes do uso e os riscos consequentes, da ampla gama de coisas colocadas à venda, deve ser prevenido por fabricantes e vendedores especializados de sua periculosidade e resguardado dos problemas oriundos de sua posse e utilização. O aparelho era portátil, implicando por essa condição, variado manuseio. Não merece crítica a circunstância do aquecedor ter sido ligado por filha do autor, porque não consta que ele tenha sido advertido pela ré ou pela fabricante dos riscos do uso e porque a experiência ensina que máquinas modernas são habitualmente melhor manipuladas por crianças, que facilmente apreendem novas técnicas, do que por adultos crescidos...” (Rel. Maurício Vidigal, j. 21.10.92)

 

2.2.2 Os defeitos podem ser de concepção/construção, fabricação ou de informação (= de comercialização)

 

DEFEITO DE CONCEPÇÃO (ou CONSTRUÇÃO)

 

 - atinge toda a série produzida

 

DEFEITO DE FABRICAÇÃO

 

- não atinge toda a produção, mas apenas alguns exemplares

 

DEFEITOS DE INFORMAÇÃO

 

Um produto de periculosidade inerente, embora não seja propriamente um produto defeituoso, pode vir a sê-lo caso as informações que o acompanhe sejam insuficientes, inadequadas.

 

2.2.3 As inovações tecnológicas e a colocação no mercado de novos produtos de qualidade superior não tornam o produto “antigo” defeituoso:

 

Art. 12, §2º/CDC: “O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado”

 

Art. 14, §2º/CDC: “O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas”

 

2.3 Periculosidade presumida

 

Art. 10 do CDC: “O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”

 

- periculosidade inerente cujo risco não pode ser afastado nem mesmo com a adequada informação. Por conta disso, sequer poderá ser colocado no mercado, pois que nesse caso, nem mesmo uma informação cabalmente adequada seria eficiente para obstaculizar a ocorrência de eventuais danos ao usuário.

 

2.3.1 colocação de produto com periculosidade presumida no mercado

 

Art. 10, §1º/CDC: “O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncio publicitário.

§2º: Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, a expensas do fornecedor do produto ou serviço”

 

3. Responsabilidade civil por acidentes de consumo

 

3.1. Acidente de consumo

 

Acidente de consumo ou fato do produto/fato do serviço é o dano decorrente de um defeito do produto ou serviço

 

3.2. Responsabilidade civil pelo fato do produto/fato do serviço

 

Art. 12 do CDC: “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador, respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”

 

Art. 14 do CDC: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”

 

- responsabilidade objetiva (independe da culpa do fornecedor)

 

Súmula STJ nº 479: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias."

 

ASSALTO EM CAIXA ELETRÔNICO - RESPONSABILIDADE DO BANCO

Apelação Cível - Indenização - Dano Moral e Material - Assalto em caixa eletrônico - Falha na prestação do serviço - Dever de segurança que o consumidor legitimamente espera - Valor da indenização fixado com ponderação.

O assalto a cliente no interior de caixa eletrônico acarreta ao banco dever de indenizar os prejuízos sofridos pelo correntista, eis que, tratando-se de relação de consumo, a responsabilidade é objetiva nos termos do art. 14 do CDC, cabendo ao autor apenas a prova do fato e do prejuízo, dever que se desincumbiu a contento, mormente em situação onde o fecho de segurança da porta do estabelecimento não estava funcionando de modo correto, o que gerou falta na prestação do serviço e violou o dever de segurança que o consumidor legitimamente espera na prestação do serviço. Valor da indenização por Danos Morais estabelecido com ponderação e proporcional ao agravo sofrido, equivalente a 20 salários-mínimos. Apelação desprovida. Sentença confirmada.

(TJRS - 9ª Câm. Cível; ACi nº 70033058348-Porto Alegre-RS; Rel. Des. Tasso Caubi Soares Delabary; j. 10/2/2010

infecção hospitalar - responsabilidade objetiva do hospital.

Responsabilidade Civil - Consumidor - Infecção hospitalar - Responsabilidade objetiva do Hospital - Art. 14 do CDC - Dano moral - Quantum indenizatório.

O Hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si. O valor arbitrado a título de danos morais pelo Tribunal a quo não se revela exagerado ou desproporcional às peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional intervenção desta Corte para revê-lo. Recurso Especial não conhecido.” (STJ - 4ª T.; REsp nº 629.212-RJ; Rel. Min. Cesar Asfor Rocha; j. 15/5/2007; m.v.)

 

ACIDENTE - QUEDA EM SUPERMERCADO - INDENIZAÇÃO

Civil - Responsabilidade Civil - Acidente sofrido em supermercado - Queda da consumidora nas dependências do estabelecimento comercial - Má conservação do local - Responsabilidade da empresa configurada - Exegese do art. 14 do CDC - Fratura do ombro esquerdo e lesão grave do manguito rotador direito - Danos morais inafastáveis - Dever de indenizar caracterizado - Critérios para o arbitramento da verba - Razoabilidade - Danos materiais - Comprovação - Honorários advocatícios - Parte beneficiária da Justiça Gratuita - Limitação a 15% do valor total da condenação (Lei nº 1.060/1950, art. 11, § 1º).

O estabelecimento comercial é responsável, objetivamente, pela integridade física de seus fregueses, conforme o insculpido no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. É evidente o dano moral sofrido por consumidor que, em razão da negligência do estabelecimento comercial, escorrega em tapete colocado na saída do local e sofre fratura do ombro e lesão grave do manguito rotador direito. Os honorários advocatícios serão fixados pelo Juiz até o máximo de 15% sobre o valor da condenação quando o beneficiário da Justiça Gratuita for vencedor na causa, por força do art. 11, § 1º, da Lei 1.060/1950. (TJSC - 2ª Câm. de Direito Civil; ACi nº 2006. 033467-9-Estreito-SC; Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben; j. 30/10/2008; v.u.)

 

- necessidade de nexo de causalidade

 

CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DANO MATERIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CRIME COMETIDO DENTRO DE CINEMA LOCALIZADO NO SHOPPING. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. NEXO CAUSAL. INEXISTÊNCIA. COMPROVAÇÃO.

1. "Para se chegar à configuração do dever de indenizar, não será suficiente ao ofendido demonstrar sua dor. Somente ocorrerá a responsabilidade civil se se reunirem todos os seus elementos essenciais: dano, ilicitude e nexo causal." (Humberto Teodoro Júnior, in Dano Moral, Editora Oliveira Mendes, 1998, p.8).

2. Assim sendo, não há como se deferir qualquer pretensão indenizatória sem a comprovação, ao curso da instrução nas instâncias ordinárias, do nexo de causalidade entre os tiros desferidos por Matheus e a responsabilidade do shopping, onde situava-se o cinema.

3. Rompido o nexo de causalidade da obrigação de indenizar, não há falar-se em direito à percepção de indenização por danos morais e

materiais.

4. Recurso Especial conhecido e provido para julgar improcedente o pedido inicial." (REsp 1164889 / SP, Rel. Min.HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO, j.  04/05/2010)

 

3.3. Indenização tarifada

 

ACIDENTE AÉREO - CULPA GRAVÍSSIMA - IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO DA INDENIZAÇÃO

Responsabilidade Civil - Acidente aéreo - Pedido indenizatório - Culpa gravíssima - Aplicação da legislação comum.

A indenização decorrente da morte de passageiro em acidente aéreo, causada por culpa grave dos pilotos, equiparável ao dolo, não sofre a limitação tarifada, devendo ser arbitrada com base nas regras da legislação comum. Recurso Especial não conhecido. (STJ - 3ª T.; REsp nº 23.875-SP (1992/0015716-5); Rel. Min. Castro Filho; j. 14/2/2006; v.u.)

 

3.4 Excludentes do dever de indenizar

 

- o CDC prevê algumas causas excludentes do dever de reparar, o que indica que o Código adotou a responsabilidade objetiva mitigada e não absoluta.

 

Art. 12, §3º do CDC: “O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I)   que não colocou o produto no mercado;

II) que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”

 

Art. 14, §3º do CDC: “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I)   que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”

 

3.4.1 Não colocação do produto no mercado

 

-o caso das pílulas de farinha

 

CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ANTICONCEPCIONAL MICROVLAR. PLACEBOS UTILIZADOS POR CONSUMIDORAS. ANÁLISE DO MATERIAL PROBATÓRIO QUE APONTA PARA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO FABRICANTE. CORRETA VALORAÇÃO DA PROVA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DESNECESSIDADE.

1. Acontecimento que se notabilizou como o 'caso das pílulas de farinha': cartelas de comprimidos sem princípio ativo, utilizadas para teste de maquinário, que acabaram atingindo consumidoras e não impediram a gravidez indesejada.

2. A alegação de que, até hoje, não foi possível verificar exatamente de que forma as pílulas-teste chegaram às mãos das consumidoras não é suficiente para afastar o dever de indenizar do laboratório. O panorama fático evidencia que essa demonstração talvez seja mesmo impossível, porque eram tantos e tão graves os erros e descuidos na linha de produção e descarte de medicamentos, que não seria hipótese infundada afirmar-se que os placebos atingiram as consumidoras de diversas formas ao mesmo tempo.

3. Além de outros elementos importantes de convicção, dos autos consta prova de que a consumidora fazia uso do anticoncepcional, muito embora não se tenha juntado uma das cartelas de produto defeituoso. Defende-se a recorrente alegando que, nessa hipótese, ao julgar procedente o pedido indenizatório, o Tribunal responsabilizou o produtor como se este só pudesse afastar sua responsabilidade provando, inclusive, que a consumidora não fez uso do produto defeituoso, o que é impossível.

4. Contudo, está presente uma dupla impossibilidade probatória: à autora também era impossível demonstrar que comprara especificamente uma cartela defeituosa, e não por negligência como alega a recorrente, mas apenas por ser dela inexigível outra conduta dentro dos padrões médios de cultura do país.

5. Assim colocada a questão, não se trata de atribuir equivocadamente o ônus da prova a uma das partes, mas sim de interpretar as normas processuais em consonância com os princípios de direito material aplicáveis à espécie. O acórdão partiu das provas existentes para concluir em um certo sentido, privilegiando, com isso, o princípio da proteção ao consumidor.

6. A conclusão quanto à presença dos requisitos indispensáveis à caracterização do dever de indenizar não exige a inversão do ônus da prova. Decorre apenas da contraposição dos dados existentes nos autos, especificamente sob a ótica da proteção ao consumidor e levando em consideração, sobretudo, a existência de elementos cuja prova se mostra impossível - ou ao menos inexigível - para ambas as partes.

7. Recurso especial a que se nega provimento.(STJ, Resp 1120746, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, j. 17/02/2011)

 

3.4.2 Culpa exclusiva da vítima

 

“Reparação de danos - Acidente de consumo - Abertura de lata do tipo "abre fácil" - Ferimento na mão esquerda da consumidora - Ausência de defeito do produto - Suficientes as informações constantes na embalagem - Inexistência do dever de informar sobre riscos oriundos de uso incorreto - Culpa exclusiva da vítima comprovada - Excluída a responsabilidade do fornecedor de ressarcir danos patrimoniais e morais - Preliminar de nulidade da sentença rejeitada - Apelo desprovido.

1 - Ocorrido o acidente com a apelante, que feriu sua mão esquerda com tampa de lata do tipo "abre fácil", verificou-se que referida lata não apresentava vícios de fabricação ou defeitos no procedimento de abertura. Da mesma forma, não havia deficiência de informações no que tange ao modo de abrir, posto que descrita passo a passo a operação, havendo ilustrações quanto à posição correta da mão, e, ao centro, a inscrição: manusear com cuidado. Logo, suficientemente informada a consumidora. Não há para o fornecedor o dever de informar de riscos provenientes da inobservância do procedimento correto de abertura. 2 - Comprovado nos autos que a posição da mão esquerda da apelante não se encontrava no local correto, abrindo-se a lata de forma incorreta. Se a apelante não leu de forma atenciosa as informações constantes na lata, não pode imputar a culpa do acidente ao fornecedor. Culpa exclusiva da vítima caracterizada. Isento o fornecedor de ressarcir eventuais danos patrimoniais e morais. 3 - Não há que se falar em nulidade de sentença, por falta de fundamentação, simplesmente porque o Juiz deixou de se manifestar a respeito da inversão do ônus da prova ou da ausência do réu em audiência de conciliação. Em ambos os casos, verificam-se simplesmente a aplicação de regras processuais, não se tratando de pedidos autônomos. Preliminar rejeitada.” (TAPR - 10ª Câm. Cível; AC nº 0215393-7-Curitiba-PR; Rel. Juiz Lauri Caetano da Silva; j. 13/2/2003; v.u.)

 

DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS - CULPA DO CONSUMIDOR
Indenização por danos materiais, morais e estéticos.

Danos decorrentes de explosão de gordura vegetal para culinária. Prova pericial conclui pela impossibilidade de o produto ocasionar explosão tal qual narrada pela autora, verificando que a embalagem atende às disposições estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Embalagem que não afronta o disposto no art. 8º do CDC. Cuidado com óleos/gordura é inerente (risco de queimadura é fato previsível ao consumidor). Conclusão da perícia no sentido de que o acidente ocorreu por derramamento e não vício ou falha no produto. Relação de consumo. Excludente de responsabilidade. Hipótese que se amolda àquela prevista no art. 12, § 3º, II e III, do CDC. Ausência de infração afasta o nexo causal, que seria traduzido por conduta culposa da ré que aqui inexistiu. Improcedência corretamente decretada. Sentença mantida. Recurso improvido. (TJSP - 8ª Câm. de Direito Privado; ACi c/ Revisão nº 408.245.4/7-00-SP; Rel. Des. Salles Rossi; j. 24/1/2007; v.u.)

 

3.4.2 Risco do desenvolvimento

 

- risco desconhecido no momento da colocação do produto no mercado, pela falta de conhecimento técnico e científico, mas que vem a ser descoberto depois

 

- não é considerando excludente do dever de indenizar, porque não previsto nos arts. 12, §3º e 14, §3º

 

“USO DE MEDICAMENTO - DEPENDÊNCIA - INDENIZAÇÃO

Direito do Consumidor - Consumo de Survector, medicamento inicialmente vendido de forma livre em farmácias - Posterior alteração de sua prescrição e imposição de restrição à comercialização - Risco do produto avaliado posteriormente, culminando com a sua proibição em diversos países - Recorrente que iniciou o consumo do medicamento à época em que sua venda era livre - Dependência contraída, com diversas restrições experimentadas pelo paciente - Dano moral reconhecido.

É dever do fornecedor a ampla publicidade ao mercado de consumo a respeito dos riscos inerentes a seus produtos e serviços. A comercialização livre do medicamento Survector, com indicação na bula de mero ativador de memória, sem efeitos colaterais, por ocasião de sua disponibilização ao mercado, gerou o risco de dependência para usuários. A posterior alteração da bula do medicamento, que passou a ser indicado para o tratamento de transtornos depressivos, com alto risco de dependência, não é suficiente para retirar do fornecedor a responsabilidade pelos danos causados aos consumidores. O aumento da periculosidade do medicamento deveria ser amplamente divulgado nos meios de comunicação. A mera alteração da bula e do controle de receitas na sua comercialização não são suficientes para prestar a adequada informação ao consumidor. A circunstância de o paciente ter consumido o produto sem prescrição médica não retira do fornecedor a obrigação de indenizar. Pelo sistema do CDC, o fornecedor somente se desobriga nas hipóteses de culpa exclusiva do consumidor (art. 12, § 3º, do CDC), o que não ocorre na hipótese, já que a própria bula do medicamento não indicava os riscos associados à sua administração, caracterizando culpa concorrente do laboratório. A caracterização da negligência do fornecedor em colocar o medicamento no mercado de consumo ganha relevo à medida que, conforme se nota pela manifestação de diversas autoridades de saúde, inclusive a OMC, o cloridrato de amineptina, princípio ativo do Survector, foi considerado um produto com alto potencial de dependência e baixa eficácia terapêutica em diversas partes do mundo, circunstâncias que inclusive levaram a seu banimento em muitos países. Deve ser mantida a indenização fixada, a título de dano moral, para o paciente que adquiriu dependência da droga. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ - 3ª T.; REsp nº 971.845-DF; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; j. 21/8/2008; m.v.)

3.5 Responsabilidade solidária

 

Art. 7º, §único do CDC: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”

 

Art. 25, §1º do CDC: “Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores

§2º: Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação”

 

“Ato ilícito - Prestação de serviços.

Acidente ocorrido em parque de diversões, causando a morte de duas pessoas. Relação de consumo caracterizada. Prestação de serviços que se apresentou defeituosa conforme prova dos autos. Responsabilidade do fornecedor-prestador pelo "fato do serviço". Relação de consumo composta de outras relações interligadas. Responsabilidade solidária do fabricante do brinquedo defeituoso e do engenheiro que realizou vistoria no parque de diversões, considerando apto ao funcionamento. Responsabilidade do fornecedor e do fabricante que independe de culpa para se con-figurar. Demonstração da negligência, imprudência e imperícia do engenheiro-vistoriador. Arts. 7º, 12, 14 e 25 do CDC. Responsabilidade objetiva ainda da Prefeitura, que se omitiu no seu dever de fiscalização para autorizar o funcionamento do parque de diversões. Art. 37, § 6º da CF/88. Recurso improvido.” (1º Tacivil - 4ª Câm.; APL nº 1.221.866-3-Americana-SP; Rel. Juiz J. B. Franco de Godoi; j. 20/5/2004; v.u.)

 

3.5.1 Tipos de fornecedor

 

FORNECEDOR REAL: quem participa do processo produtivo. Ex: fabricante, o produtor e o construtor

 

FORNECEDOR APARENTE: não participa do processo produtivo, mas coloca o seu “nome” ou marca no produto.

 

FORNECEDOR PRESUMIDO: importa o produto ou vende o produto sem a identificação clara do verdadeiro fabricante, produtor ou importador.

 

3.5.2 Direito de regresso

 

Art. 13, §único do CDC: “Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso”

 

- apesar de o §único estar junto ao dispositivo que cuida especificamente da responsabilidade do comerciante, o fato é que o direito de regresso se aplica a todas as hipóteses em que um fornecedor, qualquer que seja ele, tenha respondido pelo dano causado por outro

 

4. Responsabilidade civil do comerciante

 

- a responsabilidade civil do comerciante pelo FATO DO PRODUTO é subsidiária

 

Art. 13 do CDC: “O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I)            o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II)          o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III)        não conservar adequadamente os produtos perecíveis”

 

-impossibilidade de identificação do fornecedor real (incs. I e II): o comerciante passa a ser o fornecedor presumido. Ex: restaurante que serve refeições cujos ingredientes provêem de diversos produtores não identificados

 

- acidente de consumo causado por produtos vendidos fora do prazo de validade e a solidariedade do fabricante

 

“RECURSO ESPECIAL Nº 980.860 - SP (2007/0197831-1)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: UNILEVER BESTFOODS BRASIL LTDA

RECORRIDO: SAMANTHA CLAUDINO LIMA E OUTRO

EMENTA
Direito do consumidor. Recurso especial. Ação de indenização por danos morais e materiais. Consumo de produto colocado em circulação quando seu prazo de validade já havia transcorrido. "Arrozina Tradicional" vencida que foi consumida por bebês que tinham apenas três meses de vida, causando-lhes gastroenterite aguda. Vício de segurança. Responsabilidade do fabricante. Possibilidade. Comerciante que não pode ser tido como terceiro estranho à relação de consumo. Não configuração de culpa exclusiva de terceiro.

- Produto alimentício destinado especificamente para bebês exposto em gôndola de supermercado, com o prazo de validade vencido, que coloca em risco a saúde de bebês com apenas três meses de vida, causando-lhe gastroenterite aguda, enseja a responsabilização por fato do produto, ante a existência de vício de segurança previsto no art. 12 do CDC.

- O comerciante e o fabricante estão inseridos no âmbito da cadeia de produção e distribuição, razão pela qual não podem ser tidos como terceiros estranhos à relação de consumo.

- A eventual configuração da culpa do comerciante que coloca à venda produto com prazo de validade vencido não tem o condão de afastar o direito de o consumidor propor ação de reparação pelos danos resultantes da ingestão da mercadoria estragada em face do fabricante.

Recurso especial não provido.

[...]

Sentença: julgou improcedente o pedido por considerar que a culpa pela manutenção nas gôndolas de produto deteriorado e com prazo de validade vencido seria exclusiva do comerciante, o que afastaria a responsabilidade da fabricante/recorrente.

Acórdão: conferiu parcial provimento ao apelo das recorridas para condenar a recorrente ao pagamento de R$ 12.000,00 (doze mil reais), a título de compensação por danos morais, nos termos da seguinte ementa:

"Responsabilidade civil - Fato do produto - Bebês que ingerem produto deteriorado, comercializado com validade vencida [ingrediente para mingau e papas]; obrigação do produtor de indenizar, na forma do art. 12, da Lei 8078/90, ressalvando-se a possibilidade de exigir, do comerciante, em direito de regresso, a restituição do que pagar, por não ser possível discutir a culpa pela venda de produto impróprio na ação do consumidor lesado - Provimento, em parte, para que o valor "responsabilidade" predomine sobre a "culpabilidade"

Embargos infringentes: interpostos pela recorrente, foram rejeitados em julgado assim ementado:

"EMBARGOS INFRINGENTES. Acidente de consumo. Vício do produto comercializado com prazo de validade vencido e causou danos às duas crianças que figuram no pólo ativo da demanda. Divergência que se circunscreve à existência de responsabilidade por fato do produto da fabricante, em razão do ato ilícito imputável ao comerciante. Perante o consumidor, o processo do produção e anulação do processo é uno e a ausência de qualidade em qualquer dessas fases contamina o produtor. A excludente de responsabilidade prevista no artigo 14, § 3º, II do Código de Defesa do Consumidor, de culpa - rectius, ato imputável - exclusiva de terceiro, não abrange o comerciante ou o retalhista. O comerciante é responsável solidário quando praticar ato imputável, em acréscimo à responsabilidade do fabricante. Os integrantes da cadeia produtiva jamais podem ser terceiros uns em relação aos outros, para efeito de responsabilidade, sob pena de quebrar o princípio da solidariedade, em detrimento do consumidor. Prevalência do voto condutor. Embargos infringentes rejeitados."(fls. 354).

[...]

Na presente hipótese, sustenta a recorrente, com base no inciso III do § 3º do referido art. 12 do CDC, que na condição de fabricante não pode ser responsabilizada pelos danos sofridos pelas recorridas, pois há culpa exclusiva de terceiro, isto é, do comerciante, proprietário do supermercado que ofereceu a mercadoria à venda em suas gôndolas sem observar que o prazo de validade já havia expirado.

Todavia, o sistema adotado pelo CDC insere o comerciante e o fabricante na cadeia de produção e distribuição do produto viciado, e por isso não podem ser considerados terceiros estranhos à relação de consumo. Assim, mesmo havendo configuração da culpa de qualquer um deles, esta não tem o condão de afastar o direito de o consumidor propor ação de reparação quer em face do fabricante, quer em face do comerciante.
Acerca do tema, Sergio Cavalieri Filho destaca que "o comerciante, repetimos, não é terceiro em relação ao fabricante (produtor ou importador), pois é ele que o escolhe para vender os seus produtos. Logo, responde - o fabricante - também por qualquer defeito do produto ou serviço, mesmo que surja já no processo de comercialização. O dever jurídico do fabricante é duplo: colocar no mercado produtos sem vícios de qualidade e impedir que aqueles que os comercializam, em seu benefício, maculem sua qualidade original." (Programa de Responsabilidade Civil. 4ª Ed. São Paulo: Melhoramentos, 2003, p. 479).

Esse posicionamento é respaldado, ainda, pelas lições do i. Min. Antônio Herman Benjamin, que, em obra doutrinária, sustenta que "o réu (fabricante, produtor, construtor ou importador), em ação indenizatória por acidente do consumo, não pode furtar-se ao dever de indenizar, com fulcro no art. 12, § 3º, III, sob o argumento de que o dano foi causado por culpa exclusiva do comerciante, entendendo este como terceiro." (Fato do produto e do serviço. BDJur, Brasília, DF. 30 jan. 2008. p. 29. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/16340>).

Dessa forma, o comerciante, tido pela recorrente/fabricante como único e exclusivo culpado para a ocorrência dos danos sofridos pelas recorridas, não pode ser tido como terceiro estranho à relação de consumo, de maneira que se mostra inviável o reconhecimento da excludente de responsabilidade prevista no inciso III do parágrafo 3º do art. 12 do CDC, devidamente interpretado pelo TJ/SP na presente hipótese.

 

5. RECALL

 

Recall significa “chamar de volta”

 

Art. 11 do CDC (VETADO): “O produto ou serviço que, mesmo adequadamente utilizado ou fruído, apresenta alto grau de nocividade ou periculosidade será retirado  imediatamente do mercado pelo fornecedor, sempre às suas expensas, sem prejuízo da responsabilidade pela reparação de eventuais danos”

 

RAZÕES DO VETO: “O dispositivo é contrário ao interesse público, pois, ao determinar a retirada do mercado de produtos e serviços que apresentem alto grau de nocividade e periculosidade, mesmo quando adequadamente utilizados, impossibilita a produção e o comércio de bens indispensáveis à vida moderna (e.g., materiais radioativos, produtos químicos e outros). Cabe, quanto a tais produtos e serviços, a adoção de cuidados especiais, a serem disciplinado em legislação específica”

 

O art. 11 seria perfeitamente compatível com o art. 10, pois este, de fato, proíbe que seja colocado no mercado um produto ou serviço que, independentemente do uso adequado, seja altamente nocivo ou perigoso. Daí a necessidade de se retirá-lo do mercado (recall).

 

Mas, na verdade, é do próprio sistema que, quando um produto apresentar uma periculosidade inerente e insuportável (produto anormalmente perigoso) ou quando apresentar uma periculosidade adquirida, não poderá ser colocado ou mantido no mercado sob pena de não se prevenir danos ao consumidor. É dizer que, nada obstante o veto do art. 11, o recall pode e deve ser feito pelo fornecedor. E mesmo que este não o faça espontaneamente, a autoridade competente poderá compeli-lo a tanto. E, se desrespeitar o mandamento da autoridade, incorre no tipo penal do art. 64, §único do CDC, in verbis:

 

“Incorrerá nas mesmas penas (do art. 64, caput: detenção de 6 meses a 2 anos e multa) quem deixa de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo”

 

5.1 Portaria 487/2012, do Ministério da Justiça

 

- Disciplina o procedimento de chamamento dos consumidores ou recall de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, forem considerados nocivos ou perigosos.

 

5.2 Responsabilidade do fornecedor mesmo com a “tentativa” de recall

 

CIVIL. CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE. RECALL. NÃO COMPARECIMENTO DO COMPRADOR. RESPONSABILIDADE DO FABRICANTE.

- A circunstância de o adquirente não levar o veículo para conserto, em atenção a RECALL, não isenta o fabricante da obrigação de indenizar. (STJ, Resp 1010392/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, j. 24/03/2008)

[...]

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Para o acórdão recorrido, o não-atendimento ao recall e a falta de revisões do veículo não afasta a responsabilidade objetiva da fabricante do veículo.

A recorrente alega que a negligência dos recorridos no atendimento ao chamado do recall feito e em não efetuar a manutenção do veículo, rompe o nexo causal.

Não houve ofensa ao Art. 13, § 3º, III, do Código de Defesa do Consumidor. Houve  defeito na fabricação do produto, publicamente reconhecido pela recorrente, ao chamar para o recall.

No mais, o perito do juízo concluiu que um curto-circuito no sistema do airbag causou a abertura inoportuna da bolsa de proteção (fl. 376).

Houve defeito do produto fabricado pela recorrente e nexo causal entre este defeito e o dano sofrido pelos recorridos consumidores.

 

5.3 Recall fora do prazo

 

Art. 9º da Portaria MJ 487/2012: O fornecedor não se desobriga da reparação ou substituição gratuita do produto ou serviço mesmo findo o chamamento.

 

Site do MJ: “O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) entende que, por força da gravidade dos riscos insertos em tais casos, os fornecedores deveriam envidar todos os esforços que estivessem ao seu alcance, no sentido de dar à divulgação de tais procedimentos a maior abrangência possível. Além disso, o SNDC também discorda da imposição, pelos fornecedores, de qualquer prazo limite para a realização dos serviços necessários à plena regularização das condições dos produtos ou serviços objeto de recall. Enquanto houver no mercado produtos que apresentem os problemas que levaram ao chamamento, o fornecedor será responsável por sua pronta reparação, sem qualquer ônus para os consumidores, ainda que a campanha de chamamento estipule um prazo para seu encerramento.”